Panorama do Novo Testamento - Introdução


(Cuida-se do esboço de uma aula que dei acerca deste tema em um curso popular de teologia)

A Bíblia dos primeiros cristãos:

Leitura: 2 Tim 2.15; 3.16
Quando Paulo se refere à “Escritura”, o que será exatamente que ele tem em mente? Qual era a Bíblia dos primeiros discípulos[1]? Obviamente, era o Antigo Testamento.

Os primeiros escritos e a formação do cânon[2]. Motivos:

O passar do tempo (a volta de Jesus era esperada como algo iminente – 2 Te 2.15). Ou seja, a medida que a parousia não ocorria, foram surgindo coleções de escritos.

O crescimento e organização da Eclésia (Ex: as epístolas pastorais). A medida que uma instituição vai se organizando, há a necessidade de uma coleção de escritos fundamentais.

O surgimento dos erros doutrinários (Ex: Gálatas, 1 João, etc). Os erros doutrinários, as heresias demandam epístolas, documentos, a fim de que haja o correto ensino.

Doutrinamento e ensino (Ex: Mc 1.1). A simples catequese e problemas pastorais levaram a tais documentos escritos. Ou seja, o ensino oral já não seria mais suficiente para organizar a Eclésia.

Os apóstolos incentivam a leitura pública de seus escritos (Ex: Col 4.16; 1 Tess 5.27), o que contribui para imprimir na mente dos discípulos o senso de sacralidade dos textos. As epístolas eram reproduzidas e lidas em outras igrejas.

Pedro subentende que os escritos Paulinos têm o mesmo valor que as Escrituras: 2 Pe 3.16

Curiosamente, a primeira lista foi feita por um mestre que foi considerado herege, em 145 d.C., Marcião[3]: Lc, Gl, I e II Co, Rm, I e II Tess, Laodicenses (Efésios), Col, Fil e Fil.

Cânon Muratoriano[4], 180 d. C.: uma lista de livros feitas pela igreja de Roma, que inclui os quatro evangelhos, treze cartas paulinas, as três cartas de João, Judas e Apocalipse. Estão ausentes Tiago e Hebreus, e provavelmente, as epístolas de Pedro.  Tal documento ensina alguns princípios para a escolha dos documentos: Autoria apostólica ou de alguém ligado a um apóstolo, ortodoxia (ou seja, de acordo com a doutrina ensinada nos centros apostólicos) e antiguidade. Anos mais tarde, Agostinho sugeriu que fosse acrescentado o critério da catolicidade, ou seja, que fossem considerados inspirados pelos maiores e mais importantes centros apostólicos da antiguidade. Estes acabaram sendo os princípios para a seleção dos livros que hoje consideramos o Novo Testamento.

Irineu († 190 d. C.): bispo de Lion, discípulo de Policarpo, discípulo do apóstolo João: citou como inspirado, em sua obra “Contra as Heresias”, todos os documentos do cânon atual, menos Filemon, Tiago, 2 Pe, 2 Jo e Judas. Aceitava “O pastor de Hermas” como escritura inspirada.

Clemente de Alexandria († 215): segundo o historiador Eusébio, distinguia os quatro evangelhos atuais dos evangelhos chamados “apócrifos[5]”, e aceitava também 1 Clemente, O Didaquê dos Doze Apóstolos, a Carta de Barnabé, o Pastor de Hermas, Apocalipse de Pedro e a pregação de Pedro, além de aceitar a grande maioria dos documentos aceitos atualmente.

Tertuliano († 220): citou como inspirados todos os documentos que hoje assim também consideramos, exceto 2 Pe, 2 e 3 Jo e Tiago. Recusou usar qualquer outro evangelho como inspirado. Dizia que Barnabé escreveu Hebreus. Provavelmente, o primeiro mestre cristão a utilizar o termo “Novo Testamento”.

Orígenes († 254): ele aceitava os 27 documentos atuais, e acrescentava ainda a Carta de Barnabé, o Didaquê e o Pastor de Hermas, mas demonstrava dúvidas em relação à Hebreus, 2 Pe, 2 e 3 Jo).

Dionísio de Alexandria († 264): negou que o apóstolo João pudesse ter escrito o evangelho e o apocalipse; controvérsia que se estende até os dias atuais.

Eusébio de Cesaréia († 340): bispo de Cesaréia, amigo de Constantino, deu uma lista dos livros aceitos por todas as igrejas principais: os quatro evangelhos, atos, catorze epístolas de Paulo (incluindo Hebreus como tal, embora indicasse que a igreja latina não aceitava a autoria paulina da carta), 1 Pe, 1 Jo e o Apocalipse (embora pessoalmente, não aceitasse sua inspiração). Tiago, 2 Pe, 2 e 3 Jo e Judas eram, segundo ele, considerados duvidosos, pois não tinham ampla aceitação total, embora o fossem pela maioria das igrejas. Todos os demais, como Didaquê, Pastor de Hermas, Carta de Barnabé, etc, eram considerados espúrios.

Atanásio († 373): em 367, como bispo de Alexandria, publicou sua famosa Carta da Páscoa, contendo uma lista dos vinte e sete livros, conforme temos hoje. Atanásio foi o grande defensor da ortodoxia referente à doutrina da divindade de Cristo contra o arianismo, que a negava.
Nunca houve um Concílio universal para discutir o cânon do Novo Testamento (como o de Nicéia, que em 325, discutiu a divindade de Cristo, ou de Constantinopla, que, em 380, discutiu a divindade do Espírito Santo). Entretanto, concílios regionais confirmaram a lista de Atanásio, como o Concílio de Hipona (393) e III Cartago (397). A tradução da Bíblia para o latim (Vulgata, em 383), feita por Jerônimo, também confirmou tal lista, bem como Santo Agostinho († 430), uma das maiores autoridades teológicas da antiguidade.

Princípios da seleção dos documentos que hoje consideramos o Novo Testamento:

Apostolicidade (escrito por um apostolo ou por alguém ligado a um apóstolo). Considerou-se que Marcos escreveu sob a tutoria de Pedro, e Lucas, de Paulo. Tiago e Judas foram considerados como os irmãos de Jesus, daí, seu ensino remete ao próprio Cristo, e o próprio Tiago foi bispo de grande influência em Jerusalém. Hebreus, no início, foi considerada uma epístola paulina.

Catolicidade e Antiguidade: aceitação pelas igrejas mais importantes, e por um longo período de tempo. Havia sensíveis diferenças de listas entre as igrejas.

Consistência doutrinária, ou ortodoxia: era analisado conforme o padrão do Antigo Testamento e do testemunho apostólico, segundo o ensino oral que tinham deixado à igreja primitiva.

BIBLIOGRAFIA

CARSON, D.A., MOO, Douglas J, MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.

HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1989.

KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1982.



[1] Era o que hoje chamamos de Antigo Testamento, e muito provavelmente, a versão grega, conhecida como Septuaginta.
[2] Cânon, neste sentido, significa a formação da lista de documentos que irão compor o Novo Testamento.
[3] Ele rejeitou totalmente o Antigo Testamento e tudo o que lembrava judaísmo.
[4] O nome vem de um bibliotecário chamado Muratori.
[5] Evangelhos não conhecidos como inspirados pela igreja primitiva.

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