Teologia da espiritualidade: Protestantismo



É muito difícil falar do protestantismo, por conta da diversidade de tal movimento. Entretanto, tendo em vista a origem comum das denominações que se inspiram na Reforma, talvez seja possível traçar genericamente algumas características espirituais comuns às diversas denominações que tem sua inspiração nesta tradição cristã[1].

O protestantismo tem sua origem na tradição ocidental, ou seja, foi um fenômeno que ocorreu dentro do catolicismo romano, e como reação a este, não atingindo a ortodoxia oriental.

Leia também a postagem anteriorA espiritualidade ortodoxa.

Uma das ênfases da espiritualidade protestante foi a necessidade do culto no vernáculo, tornando o fiel ainda mais próximo da liturgia. Desenvolveu-se, a partir daí, o cântico congregacional, que foi e continua sendo muito importante para a espiritualidade protestante, gerando um sentimento de comunidade, comunhão e adoração. Isso foi revolucionário para a cristandade ocidental.

Outro aspecto, agora na questão eucarística, foi a noção de que esta não deveria mais ser celebrada em um altar, com o sacerdote virado de costas para a congregação, mas sim ao redor da mesa do Senhor, em que a comunidade se encontra em torno dela[2]. Na questão da ceia do Senhor, importante enfatizar ainda que os reformadores insistiram que esta deveria ser servida para o povo nas duas espécies.

Desenvolveu-se também o senso e a prática de que o centro do culto passa a ser agora a exposição da Palavra de Deus, que consiste na leitura e explicação de um determinado texto, feita por um ministro reconhecidamente escolhido e preparado para tanto. Logo, ao invés de uma liturgia predominantemente visual, como no catolicismo, desenvolveu-se no protestantismo, mais uma cultura da escuta da palavra. Com o tempo, muitas comunidades protestantes deixaram de celebrar a ceia diariamente, ou dominicalmente, realizando-a, seja mensalmente, ou em algumas ocasiões do ano.

O protestantismo, quase que de forma unânime[3], rejeitou o culto aos santos, considerado por muitos como idolatria, ou como um desvio da honra devida somente a Deus, e por isso não confere nenhum tipo de culto especial para a Virgem Maria, embora a ênfase à honra desta fosse maior entre os reformadores, notadamente Lutero. Embora no início o movimento não fosse contrário à arte sacra (principalmente no luteranismo e no anglicanismo), cresceu na verdade a concepção de que se deveriam evitar imagens nos cultos, principalmente na tradição reformada. Daí, não houve no protestantismo, no que se refere ao aspecto artístico da espiritualidade, o mesmo desenvolvimento da arte visual como da arte musical. Os templos reformados, de modo geral, tenderam à simplicidade e sobriedade[4].

A espiritualidade protestante, diferente do catolicismo, também não admite intermediários humanos, embora possa conferir grande respeito aos líderes eclesiais, pratica esta embasada na doutrina do sacerdócio universal. Isso faz com que o protestantismo, de modo geral, não confira uma importância divina à igreja empírica, visível, e sim à chamada igreja invisível. Esta concepção teológica, desenvolvida talvez também com o intuito de se evitar o absolutismo eclesial, fez com que o protestantismo não cuidasse tanto de uma unidade visível, de modo que o movimento se dividiu em inúmeras igrejas durante sua história, principalmente nos Estados Unidos. Daí, alguns entenderem que um maior individualismo eclesial seja uma das marcas do protestantismo (repita-se, principalmente norte americano), embora, paradoxalmente, um fiel evangélico praticante possa estar geralmente, muito mais ligado à sua igreja local do que um católico à sua paróquia. Por não ter tanto esse apego ao passado, o conceito de tradição no protestantismo não é tão forte como no catolicismo romano e ortodoxo.

O movimento monástico, com a sua história, angariou muita simpatia da igreja. Ante a sua reconhecida qualidade, acabou por ser, na prática, e na opinião de muitos, considerado como uma forma superior de espiritualidade. O protestantismo, de modo geral[5], renunciou à tal tipo de visão (embora não desprezasse seus princípios e ensinamentos). Os protestantes entenderam que a espiritualidade deveria ser vivida em meio à sociedade, para que o cristianismo tivesse maior abrangência. Daí, uma ênfase reformada na santidade da vocação de cada pessoa. Ser membro ativo do clero, ou de uma ordem religiosa, a partir de então, não seria mais considerado com um ofício superior a de uma pessoa que exercesse sua profissão “secular”, por assim dizer. Alguns analistas dizem que essa ênfase na vocação secular acabou por gerar a ética capitalista do trabalho.

Um aspecto muito interessante e importante da espiritualidade protestante foi o incentivo para os cultos domésticos. Eram ocasiões em que a família, talvez em companhia de alguns amigos e vizinhos, se reunia, cantavam alguns cânticos e meditavam juntos, em alguma passagem das Escrituras. Tal culto poderia ser realizado semanalmente.

Outra característica muito importante foi o incentivo ao momento devocional, que buscava ser um momento diário, em que o fiel, em algum lugar silencioso, dedicava-se parte de seu dia à meditação na Escritura e a oração.

Este estudo continua aqui..




[1] Embora seja esta uma tentativa genérica, reconhece-se, ab initio¸que não se podem aplicar todas as características aqui descritas como pertencentes a todas as tradições oriundas da Reforma.
[2] O catolicismo romano só efetuou esta e outras reformas desejadas pelos reformadores, mais de 400 anos depois, no Concílio Vaticano II.
[3] Expressões do anglicanismo e do luteranismo são mais abertas a tal conceito.
[4] Esta questão também vai depender de cada movimento. Os anglicanos e luteranos eram mais simpáticos a manutenção das imagens do que os reformados.
[5] Atualmente, igrejas protestantes históricas, como a anglicana, luterana, e mesmo metodistas, possuem mosteiros em alguns lugares do mundo. Um notável exemplo se ressurgimento do movimento monástico no protestantismo é a comunidade de Taizé, na França.

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